Por Alexandre Gossn*
É fecundo e interessante (e um pouco mórbido, confesso) acompanhar o debate que tem sido travado nos meios acadêmicos e na própria imprensa da Europa Ocidental sobre O QUE PODE SER FEITO PARA SE EVITAR passar pelo que EUA e BRASIL passaram.
A primeira e óbvia conclusão é a alardeada pelo pesquisador neerlandês Cas Mudde, já em 2005: assistimos a ascensão do extremismo como manifestação política, mas a EXTREMA DIREITA (e sua irmã, a DIREITA RADICAL) tem a primazia deste processo. É interessante notar que tal qual o fascismo soube usar uma nova invenção nos anos 1930 (o rádio), a extrema direita do séc. XXI sabe como ninguém usar o “rádio da vez”: as redes sociais.
Há quem defenda como o pesquisador britânico David Runciman (da Universidade de Cambridge) que a democracia não corre verdadeiramente risco de vida, porque, no fundo, está cada vez mais consolidada (segundo sua visão) e o que se passa é que atravessa uma crise de meia idade, ou seja, um problema institucional similar ao que indivíduos humanos passam quando ficam por tempo demais na zona de conforto ao chegar aos seus quarenta e poucos anos.
Runciman não está só e existem índices que derivam da pesquisa de outros investigadores como os norte-americanos Anne Meng e Andrew T. Little, das universidades da Virgínia e da Califórnia, que afirmam o mesmo: a democracia está mais forte e não menos, e o que está maior é a sensibilidade dos cidadãos às (micro)agressões aos valores democráticos, mas o afã de defendê-los também estaria em ascensão.
Mas como pesquisador das ciências sociais justamente sobre este tema, devo dizer que as opiniões de Runciman, Meng e Little são minoritárias, isto é, nem por isso erradas, mas devem ser vistas com ainda mais reservas que as demais.
Israel passa por uma tentativa clara do Executivo em destruir a independência do Judiciário, reformando a Suprema Corte para servir ao Premiê, que nunca foi de extrema direita, mas se aliou a ela para ficar no poder. A Itália viu a Direita Radical de Meloni absorver totalmente o capital político da direita tradicional e não só chegar ao poder, mas ser central na vitória.
Na Suécia, a Extrema Direita não está no eixo central do governo, mas compõe a coalizão que dá sustentáculo a um governo, no mínimo, de Direita Radical. Na França, Le Pen perdeu, mas não foi por muito e nada garante que não vencerá no próximo pleito. Na Espanha o VOX se torna mais forte a cada dia, assim como Wilders nos Países Baixos.
Portugal e Alemanha ainda são exceções, mas até quando?
Olhando para os EUA e Brasil, a intelligentsia portuguesa e europeia, seja nos bancos acadêmicos, seja na imprensa tem feito o seguinte cálculo: com o prosseguimento da guerra na Ucrânia e com o aumento da rivalidade entre China e EUA, as crises econômicas tendem a ser mais comuns e violentas e a solução dos problemas ambientais ficará de lado, o que, por si só, garante que eles hão de piorar.
Esse solo acaba ficando interessante para a extrema direita germinar: problemas sociais complexos em profusão e o megafone das redes sociais sem nenhuma regulamentação nas mãos de demagogos com dezenas de milhões de seguidores.
Qual seria a solução que estes pensadores têm alardeado? Um pacto democrático entre a CENTRO-ESQUERDA e a CENTRO-DIREITA. Seria necessário que nenhuma das duas ceda aos espectros extremos, jamais os convidando para compor governos, mesmo que marginalmente. Seria – segundo esse raciocínio – necessário que ambas (centro esquerda e centro direita) apoiassem uma à outra, sempre que derrotada no pleito, para que a rival pudesse de fato governar e para que a derrotada pudesse, de fato, tentar voltar ao governo nas eleições vindouras.
O caso de Portugal especificamente é interessante: marcado há décadas pelo revezamento no poder entre o PARTIDO SOCIALISTA (centro-esquerda) e o PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA (centro-direita), os lusos assistem há anos o crescimento do VOX na vizinha Espanha, mas agora, impassíveis, contemplam o CHEGA crescer dentro das fronteiras luso-ibéricas.
O CHEGA não conseguiu chegar ao poder central até o momento porque sua taxa de votação o torna a terceira maior força, mas é preciso se dizer que antes não passava da oitava. Mesmo que não tenha a capacidade de eleger um presidente ou primeiro ministro, se o CHEGA se compor com a centro-direita, fatalmente ele pode chegar ao poder e, assim, obter para si ministérios e secretarias.
Uma vez no poder, o CHEGA poderia desidratar o PSD e ele próprio se tornar mais competitivo e capilarizado em eleições futuras, como ocorreu na Hungria, Polônia e Itália – e está ocorrendo na Suécia e em Israel. Se a direita democrática tergiversar e ceder à extrema direita, ocorre uma reconfiguração política e a esquerda é empurrada ao centro, algo que está ocorrendo nos EUA e Brasil.
Um debate alucinado se impõe, com pessoas chamando Biden, Lula e Boric de comunistas e pensando que Macron, Putin e Zelensly são esquerdistas. Há uma total desconexão com a realidade e a ruptura de qualquer possibilidade de diálogo.
Como não sabemos se é possível resgatar estas pessoas capturadas pelos algoritmos do extremismo, é crucial que a centro-esquerda e a centro-direita realmente se apoiem após as refregas, porque ambas podem ser adversárias quanto às visões de mundo, mas convergem no essencial: desejam vencer as disputas dentro dos valores democráticos.
Se em algum momento este pacto não escrito falhar ou se ele não for sequer concebido para ser levado a sério, nada impede que Alemanha, França, Espanha e Portugal, mesmo sendo hoje democracias prósperas e maduras, assistam em suas capitais os seus próprios CAPITÓLIOS ou uma INVASÃO DOS 3 PODERES.
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* Pesquisador e Doutorando em Ciências Sociais junto ao Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, com ênfase em Filosofia Política e Autoritarismos Contemporâneos. Escritor, Mestre em Direito e Advogado.
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