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PROCESSO JUDICIAL E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: UM FUTURO ASSUSTADOR?



Por Alana Gabriela Engelmann*


Muito se debate acerca da utilização da Inteligência Artificial no cotidiano. Tal debate se tornou mais forte com a criação e o avanço do uso do ChatGPT. Por outro lado, a utilização da Inteligência Artificial para realização de atividades corriqueiras não é algo especialmente novo, uma vez que, desde o advento da Quarta Revolução Industrial[1], há uma ampliação no uso da conectividade e de sistemas inteligentes para realização de tarefas cotidianas, como consequência da expansão da capacidade exponencial e do crescimento da Big Data (dados).


Por outro lado, a crítica com a aplicabilidade de sistemas inteligentes, principalmente no ramo do Direito, é cada vez maior. Apesar de que não restam dúvidas de que a humanidade sempre teve o ímpeto de encontrar maneiras de tornar a sua rotina mais prática e menos burocrática, há um medo crescente de que as máquinas irão substituir as pessoas na realização de atividades nas mais diversas áreas, bem como de que os sistemas inteligentes possam prejudicar as pessoas. Será mesmo que isso é possível?


Uma questão é factual: A Inteligência Artificial gera resultados através dos seus bancos de dados. Ou seja, as informações ali trazidas foram captadas de algum lugar. Diante disso, em analogia à ideia de Jean-Jacques Rousseau, a inteligência artificial nasce boa, mas é a base de dados que a corrompe.


A afirmação acima exposta pode gerar muitas críticas. Por outro lado, elas podem ser rebatidas com a ideia de que, quando um programa inteligente é criado, excluindo os casos em que o próprio programador possui objetivos enviesados, o programa possui a finalidade de auxiliar o ser humano na execução de alguma tarefa da melhor maneira possível. Exemplo disso é o próprio ChatGPT, que possui o objetivo de auxiliar na obtenção de respostas para certas perguntas de forma mais humanizada e com resultados mais complexos. Quando o programador cria o sistema inteligente, seu objetivo não é disseminar ideologias preconceituosas. Quando o sistema oferece alguma resposta preconceituosa, o que se deve atentar é de qual base de dados o sistema está obtendo aquela resposta.


Como a maioria das invenções da humanidade – citando, como exemplo, a roda, a pólvora, a energia nuclear –, a inteligência artificial não foi criada para um fim maligno, como espalham por aí. A ficção científica faz questão de disseminar o medo ao criar a ideia de que os robôs substituirão o ser humano – pode ser constatada a substituição em obras como “Eu, Robô”, de Isaac Asimov[2], bem como no filme “A.I.: Inteligência Artificial”. O que se vê na atualidade, sob outra perspectiva, são mecanismos inteligentes com funcionalidades que auxiliam o ser humano no desempenho de atividades morosas, muitas vezes que não estimulam o intelecto e que demandam tempo para serem desempenhadas.


Não se está dizendo que o avanço tecnologia não pode alcançar barreiras inimagináveis. Ao contrário, com o desenvolvimento exponencial dos dados, possibilitado pelo avanço tecnológico, pode ser que em pouco tempo tenhamos avanços substanciais no campo de desempenho dos sistemas inteligentes.


Tanto é verdade que, em questão de quatro meses, foi anunciado o upgrade do GPT-3.5 para o GPT-4, com uma base de dados múltiplas vezes maior, possibilitando que o ChatGPT corrija os erros apresentados pela versão anterior e possibilite respostas mais precisas.


E foi o rápido desenvolvimento do ChatGPT que inspirou a construção do presente ensaio. Muito se tem debatido acerca da possibilidade de substituição da figura do advogado com o inserção do ChatGPT no mundo jurídico. Seria isso verdade? A versão que se encontra no mercado hoje – ChatGPT 3.5 – demonstrou a todos que a afirmação da substituição é uma falácia. Vários foram os equívocos praticados pelo sistema que, além de gerar respostas incorretas, criou conceitos, bibliografias e informações inexistentes. Isso não tira o mérito do sistema elaborar textos muito bem escritos, apenas trás o alerta para o embasamento utilizado nos textos, bem como para a base de dados a qual o sistema possui acesso.


De um lado, a ferramenta se mostrou um ótimo assistente para elaboração de peças e textos, bem como para formatar referências bibliográficas, que dizem respeito a tarefas mais morosas e que muitos operadores não gostam de realizar. Assim, não se exclui a capacidade da máquina em ser um assistente jurídico promissor. Por isso, os únicos profissionais dentro do campo jurídico que o ChatGPT possui capacidade de substituir são aqueles que não buscam se aprimorar e realizar a advocacia de forma personalizada e voltada para a parte intelectual, que é o que se demanda do profissional jurídico em tempos hodiernos. Atividades repetitivas, sem o mínimo de desempenho intelectual, serão substituídas e desvalorizadas. E não precisamos da criação de sistemas inteligentes para constatar isso.


Por outro lado, serão sentidos maiores reflexos na aplicação de sistemas inteligentes junto ao próprio Poder Judiciário. Muito se fala no sistema Victor, adotado pelo Supremo Tribunal Federal para realizar o exame de admissibilidade dos recursos recebidos pela Corte, a classificação dos recursos e identificar casos repetitivos e de repercussão geral (no mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça possui o sistema Athos) bem como em ODR’s (Online Dispute Resolutions) como um método alternativo de resolução de demandas, principalmente consumeristas, sem a necessidade do consumidor ingressar junto ao Judiciário para resolução do seu conflito, e, mais recentemente, a criação do sistema SAVIA[3], pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, baseado no ChatGPT, com o objetivo de elaboração de textos, trazendo maior praticidade para que os servidores executem suas atividades intelectuais com maior precisão. O que se pode constatar é que, enquanto muitos debatem acerca da possibilidade de utilização dos sistemas inteligentes junto ao Poder Judiciário, eles já estão sendo aplicados e utilizados, sem que os questionamentos corretos sejam feitos.


Diante disso, será que as preocupações e os questionamentos que andam sendo feitos acerca da aplicabilidade da inteligência artificial junto ao processo judicial estão corretos? Muitos se limitam a repudiar a sua aplicação, sem sequer perceber que a inteligência artificial já se encontra entre nós no campo jurídico.


Como visto acima, várias são as aplicações da Inteligência Artificial junto ao Processo Judicial, sendo que, em simples análise às suas funcionalidades, percebe-se que buscam trazer maior celeridade para os processos judiciais, promover um maior Acesso à Justiça, bem como desafogar os serventuários do Poder Judiciário para que possam realizar atividades voltadas para a prática intelectual. Por isso, é incontroverso que os sistemas inteligentes acima elencados possuem uma grande capacidade de desempenhar funções onerosas temporalmente, de forma satisfatória.


Entretanto, um ponto importante para ser trazido é que apesar da diminuição do custo para implementação de um sistema inteligente – ocasionado pela expansão da tecnologia, que já se encontra disponível com valores mais acessíveis – ainda é um custo alto para o Poder Judiciário arcar. Sistemas inteligentes demandam tecnologia de ponta e, quanto mais desenvolvido o sistema utilizado, mais caro se torna.


E, além do custo ser alto, outra questão que há de ser observada é: os sistemas inteligentes estão possibilitando sua auditoria, fiscalização e proporcionando certa transparência e publicidade em sua programação? Trata-se de uma pergunta importante por dois fatores: Primeiro, uma vez que tais programas estão sendo aplicados junto ao Poder Judiciário, eles devem respeitar as normas fundamentais previstas na Constituição Federal, sendo que, dentre elas, estão os princípios da publicidade dos atos processuais e da transparência. A transparência não diz respeito apenas a liberação do código-fonte, mas também da possibilidade de fiscalização do sistema inteligente. Com isso, o segundo fator elencado é o de que, para realização de atividades determinadas como complexas, há a necessidade de implementação de sistemas de machine learning, ou seja, de aprendizado de máquinas, sendo que referidos sistemas se utilizam de deep learning (aprendizagem profunda) para realização de suas atividades. Tais sistemas encontram uma barreira através dos chamados black boxes, que são as caixas-pretas dos sistemas, que acabam ocasionando uma opacidade algorítmica enorme, impossibilitando, inclusive, que o próprio programador que criou o sistema determine quais os parâmetros adotados pelo sistema para alcançar os resultados pretendidos.


Assim, o que se quer demonstrar é que a opacidade algorítmica acaba sendo um grande entrave para que os sistemas inteligentes respeitem a Constituição Federal, devendo ser realizado um investimento substancial em desenvolvimento tecnológico para que haja a possibilidade de fiscalizar e auditar os sistemas inteligentes referidos acima.


Por outro ângulo, é possível sim que os sistemas inteligentes respeitem a Constituição Federal e sejam devidamente aplicados junto ao processo judicial, inclusive para desafogar o Poder Judiciário e trazer maior celeridade processual. Não restam dúvidas acerca da capacidade dos algoritmos para tanto. O que cabe destacar é que o investimento a ser despendido pelo Governo será alto, bem como a regulamentação acerca do uso da Inteligência Artificial junto ao Poder Judiciário – há, em tramitação, os seguintes projetos de lei que buscam tratar sobre a temática da Inteligência Artificial: PL 5.051/2019[4], PL 21/2020[5] e PL 872/2021[6].


Por isso, não se trata de um futuro assustador à aplicação da Inteligência Artificial junto ao processo judicial. Ao contrário, vislumbra-se como um futuro promissor para dar maior celeridade e efetividade processual. O que se deve atentar é que há um grande caminho a ser percorrido, tanto na parte de investimentos financeiros, bem como de regulamentação. Assim, quando todas essas questões estiverem encaminhadas, poderá se ter um Poder Judiciário em harmonia com as novas tecnologias.


NOTAS DE RODAPÉ:

[1] SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016. [2] ASIMOV, Isaac. Eu, Robô. São Paulo: Editora Aleph, 2014. [3] TJMG apresenta SAVIA, nova ferramenta de Inteligência Artificial baseada em ChatGPT. Diponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-apresenta-savia-nova-ferramenta-de-inteligencia-artificial.htm#. Acesso em: 28 jan. 2023. [4] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 5051, de 2019. Estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138790. Acesso em: 11 fev. 2023. [5] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 21, de 2020. Estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil e dá outras providências. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151547. Acesso em: 11 fev. 2023. [6] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n° 872, de 2021. Dispõe sobre os marcos éticos e as diretrizes que fundamentam o desenvolvimento e o uso da Inteligência Artificial no Brasil. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/147434. Acesso em: 11 fev. 2023.



* Escritora e Pesquisadora. Advogada e Mestranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

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