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MITO NÃO É UM HOMEM, MAS...

Atualizado: 9 de mar. de 2023



Por Robson Di Brito*


Um homem em um púlpito, branco, hétero, cristão e gritando no microfone: "Imbrochável". Uma horda de outros homens repete. Em dado momento o transe toma seu ápice, o bando ecoa de forma assustadora o termo Mito, transformando o ritual em consagração divina do imoral para o moral.


Os estudos e ensino das ciências humanas talvez tenham sido o primeiro alvo do ataque ideológico do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores. Não foram poucas as ações que atingiram as ciências humanas de maneira direta e indireta: reitores em cargos de interventores, coordenadores pedagógicos, transformando escolas em igrejas evangélicas, cortes bruscos e injustificáveis de recursos, Fake News de obras literárias e kit ideológicos inexistentes. Além, obviamente, da completa ignorância sobre epistemologias e teorias ou deturpação de obras e autores.


Essas atitudes agiam como remake dos banimentos das ciências humanas do sistema educacional brasileiro durante a ditadura militar; demonstram que os quatro anos do governo Bolsonaro desconhecia os impactos das ciências humanas e suas tecnologias na vida cotidiana da população. Sem dúvidas, as ciências humanas são responsáveis pela transformação social e econômica no Brasil ao longo do século XX e início do XXI. E a maior manipulação que a extrema-direita no Brasil, por meio do bolsonarismo, empregou foi a instrumentalização das ciências humanas por meio do termo "Mito" como organização social e manipulação mental.


Pois bem... Quando uma horda urra "Mito" diante da presença de Bolsonaro – ou digita o termo em qualquer comentário de postagens nas mídias sociais – é a completa demonstração de que a perseguição às ciências humanas e seu desvio formativo deu certo. E sempre é importante lembrar que Mito não é uma mentira, jamais foi. Isto porque há a restrição do mito sinonimizado em lenda, ilusão ou interpretação recusável do real. Essa ligação que têm se apresentado por uma perspectiva de teóricos preguiçosos que ao invés de se debruçar sobre o tema por meio de autores sérios e com embasamento científicos utilizam resumos e diluidores tendenciosos que pregam ideologias discriminatórias, tentando dar um ar de nova descoberta ao tema.


Poderia mencionar vários autores que se debruçaram sobre os mitos e os itans (mitos e lendas africanas) que copulam a mente brasileira... Alguns mais conhecidos são Check Anta Diop, Mircea Eliade, Théophille Obenga, Carl Jung, Kabengele Munanga, Joseph Campbell, Reginaldo Prandi, Yuval Harari, Katiúscia Ribeiro, Aza Njeri, Natália Bolívar Aróstegui, Muniz Sodré – autores que se lançaram técnica e interpretativamente sobre os mitos. Deles podemos compreender que são:

(i) Narrativas arcaicas e animistas imemoriais que refletiam a relação do ser humano arcaico com a natureza nativa;

(ii) Narrativa de origem cosmogônica que descrevem a formação do mundo material e dos deuses formadores do mundo dos homens;

(iii) Narrativas teogônicas que contribuem com a compreensão das genealogias divinas e formatação dos dogmas religiosos;

(iv) Narrativas de seres humanos ancestrais divinizados (os heróis), em que é possível compreender quem foram os seres humanos que atuaram de maneira sublime as ações humanas de tal forma que se tornaram deuses.


Portanto, Mito não é UMA pessoa, nunca poderá ser UM homem!


É perceptível que os mitos são recursos de comunicação humana utilizados para explicar o que existe no universo humano e sua relação com o ambiente. O mito, portanto, é uma história sagrada, narrada com caráter de incontestabilidade. Importa referir que, além de explicar as origens, os conjuntos dessas narrativas fantásticas desempenham um papel moral. Aqui nos cabe o questionamento: em que medida o mito pode ser atribuído a um homem com sua totalidade?


Não nos é desconhecido que o termo "Mito" é cercado de equívocos que lhe são atribuídos pela linguagem comum e sua pluralidade de interpretações. No caso dos apoiadores de Bolsonaro, ao o nomear de Mito, parece-nos uma instrumentalização de organização social e cognitiva o qual fornece coesão ao grupo, assim como ocorreu nos seres humanos arcaicos. Observamos que houve uma simplificação da realidade, dotada de consciência mental que elevou este indivíduo à representação de Mito como simplificação da realidade social e uma forma de dar nova organização a partir dos sistemas excludentes padronizados pela extrema-direita bolsonarista. Desse modo, os desvios dos sentidos que as ciências humanas identificaram em séculos dos estudos dos Mitos foram utilizados como aparato político na busca de conferir centralidade às narrativas que organizaram a realidade compartilhada por um princípio ideológico que representa um grupo específico.


Por fim, mesmo compreendendo que mito não é um homem – e que há quem dê pouca importância a este campo das ciências humanas – percebemos que seu poder de organização social e mental está tão vivo na humanidade quanto no homem arcaico. Não podemos excluir que “o poder do mito”, como alerta Joseph Campbell, consegue empreender moralismo, instaurar novidades no espaço simbólico da sociedade e, dessa maneira, fazê-la se pensar diferente de outros momentos. Ou seja, por intermédio dos mitos é possível dar novas faces ao mundo real e, concomitantemente, deixa-se em evidência diferenças de realidade que interessam a determinada estratégia ideológica e de manipulação.



* Mestre em Ciências Humanas (UFVJM) e Mestrando em Artes (UEMG). Escritor, pesquisador e professor.

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