EM UMA ÉPOCA EM QUE MUITOS VIVEM A RELIGIOSIDADE FORA DOS MUROS DA IGREJA, A RELIGIÃO REFORÇOU ATRIBUTOS, PARA ALÉM DA SUA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS DE SALVAÇÃO.
Por Emanuel Calebe Araújo Silva*
Afinal, faz sentido que um agnóstico vá à igreja? Há quase 12 anos me tornei coroinha da Igreja Católica através do convite de uma amiga da escola. Durante 7 anos exerci minhas atividades e guardava muito respeito pelos elementos religiosos, sobretudo, pela hóstia consagrada. Confesso que nunca fui totalmente crente na narrativa bíblica e no magistério da Igreja Católica. Contudo, fiz amizades, senti-me útil e, durante todo o período que passei como coroinha, tive a agenda cheia. Não sendo mais uma pessoa religiosa e tendo me considerado agnóstico, continuei a frequentar a igreja. Reitero a pergunta: faz sentido que eu continue a frequentar os espaços religiosos?
A objeção me foi colocada algumas vezes. Parece uma questão perene entre pessoas religiosas à minha volta: se você não acredita nisso, por que continua a frequentar? A dúvida não seria alvo deste texto, caso eu não me perguntasse o mesmo. Como ocasião de responder, faço desta reflexão uma discussão sobre o que seria religião na contemporaneidade.
Max Weber, em “Economia e Sociedade”, ajudou-me com a empreitada. Não é na religião enquanto “essência” a que a Sociologia parece focar, ao menos não a ciência social a que Weber se debruçou. Ocupo-me, assim como ele,
“das condições e efeitos de determinado tipo de ação comunitária cuja compreensão também aqui só pode ser alcançada a partir das vivências, representações e fins subjetivos dos indivíduos – a partir do ‘sentido’ –, uma vez que o decurso externo é extremamente multiforme” (WEBER, 2009, p. 281).
É aparente que a própria religião tenha muita influência no mundo cotidiano e que as pessoas – mesmo as agnósticas, ateias e sem-religião – não passam ilesas dela. Alguns podem suscitar o enfraquecimento das instituições tradicionais: da família, da igreja, da propriedade etc. Peter Berger, em “O dossel sagrado”, suscitou a questão. O sociólogo e religioso luterano afirmou que as instituições religiosas passaram a perder a plausibilidade, isto é, a razoabilidade no mundo moderno. O conceito de secularização foi amplamente utilizado como a libertação do homem contemporâneo do controle religioso, como se esse controle foi referência positiva e protetiva dos indivíduos. A ideia é que este moderno indivíduo estaria sendo paganizado.
Depois, o conceito foi questionado pelo próprio Berger. Não na sua totalidade, mas como abrangendo um quantum menor de elementos. Agora, a secularização faz mais sentido quando nos referimos apenas à diminuição da força da igreja e das religiões,
“mas crenças e práticas religiosas antigas ou novas permaneceram na vida das pessoas, às vezes assumindo novas formas institucionais e às vezes levando a grandes explosões de fervor religioso” (BERGER, 2000, p. 10).
As pessoas passaram a ter maior liberdade para compreender suas crenças fora de um espectro institucional. Se podemos traçar um panorama, a tendência é de pessoas vivendo suas religiosidades fora de templos e junto dos amigos, familiares e consigo mesmas. Isso aumenta o propósito da pergunta inicial: se pessoas com fé passaram a ter processos religiosos fora de templos, então qual o sentido de agnósticos frequentarem?
Minha resposta inicial seria: porque queremos frequentar. Talvez seja algo que o leitor já tenha antecipado desde o início. No entanto, meu objetivo é descortinar questões sociológicas sobre essa experiência pessoal. Conforme afirmou Émile Durkheim, em “As formas elementares de vida religiosa”, há “virtudes religiosas” que não emanam de divindades. E, por vezes, é a personalidade divina que deriva do rito religioso.
Se, para o religioso, é difícil entender como pode haver uma religião cujos deuses são inventados pela comunidade de fé, basta que pense nas tantas outras religiões a que é ateu. Um religioso não é crente em tudo. Não admite todas as formas de divindades. Essas formas divinas às quais não se acredita são, exatamente, partes de uma construção simbólica (como todas as formas divinas). Produção esta que entendemos como frutos de uma religião não inspirada em deus(es) verdadeiro(s).
Nesse sentido, “a religião vai além da ideia de deuses ou de espíritos, logo não pode se definir exclusivamente em função desta última” (DURKHEIM, 1996, p. 18). Pensando na minha biografia, sou uma pessoa religiosa. Dessas que não tem crença em espíritos e deuses. Na verdade, que não tem certeza sobre essas entidades.
O conceito de religião para Durkheim refere-se a uma comunidade moral, cuja solidariedade consiste em manter as mesmas crenças e práticas relativas ao sagrado. Em outras palavras, participar de uma comunidade religiosa é aglutinar-se com outros e crer junto em uníssono. Unidos, cantamos em coro. E em coro, nós nos sentimos mais seguros para viver ordinariamente, ou seja, seguir os hábitos cotidianos. Talvez, isso tenha me dado interesse ao fazer parte do grupo das garotas e garotos do coro, coroinhas.
Imagem 01: Gorr e Rapu (Filme "Thor: Love and Thunder", 2022)
Por fim, não confundamos o agnosticismo ou o ateísmo com a atitude do religioso que resolveu vingar-se do seu deus por não ter vivido milagres ou por sofrer em demasia. Recordo, portanto, o texto fílmico “Thor: Love and Thunder”. O vilão, Gorr, interpretado por Cristian Bale, é um fiel seguidor do deus Rapu. Depois de perder o povo pela fome e doença, Gorr pede a misericórdia de Rapu, que não deixa de humilhá-lo. Recebendo a força da Necroespada (que pode matar deuses), o vilão assassina Rapu. Não é a isso que descrevo como agnosticismo, mas os pormenores do filme são assuntos para o próximo texto.
Referências:
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Edições Paulinas, 1985.
______. A Dessecularização do Mundo: uma visão global. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 9-24, 2000. Disponível em: < http://www.uel.br/laboratorios/religiosidade/pages/arquivos/dessecularizacaoLERR.pdf >. Acesso em: 17 dez. 2023.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
THOR: Love and Thunder. Direção de Taika Waititi. Sydney: Marvel Studios, 2022 (119 min.).
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.
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* Membro da Comissão de Comunicação do Programa de Pós-Graduação em Sociologia UFPI (2023). Graduado em Ciências Sociais (UESPI) e Mestre (UFPI) em Sociologia.
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