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Alexandre Gossn

O QUE OS ASSASSINATOS EM SÉRIE NO AMBIENTE ESCOLAR ESTÃO TENTANDO NOS DIZER?

Atualizado: 17 de dez. de 2023

É possível a parte viver à margem do todo?




Por Alexandre Gossn*

Segundo levantamento feito pela pesquisadora Michele Prado, do Monitor de Debate Político no Meio Digital da USP, os ataques às escolas nos últimos meses superam a violência praticada nos últimos 20 anos. Repito: nos últimos 15 meses, morreram mais crianças e professores no país que em 240 meses! O que está havendo?


Essa violência (em números escandalosamente inéditos) não surgiu do nada, tampouco se trata de coincidência ou efeito de apenas surtos psíquicos individuais.


A lógica contemporânea está imersa na ideologia neoliberal e, por isso, tem enorme dificuldade em entender eventos sociais. O neoliberalismo se impregnou de tal forma nas nossas práticas, atos, reflexões e desejos que vivemos como se a nossa natureza humana fosse assim e como se a humanidade nunca tivesse recorrido a outros valores e formas políticas.


Qual seria a explicação neoliberal para eventos violentos? Livre arbítrio puro, culpa de quem se deixou levar, responsabilidade pura do algoz ou da vítima, em suma. Mas a vida é mais complexa que isso!


A loucura, as doenças mentais e síndromes psicológicas e psiquiátricas não são eventos apartados do mundo que as cerca. Um indivíduo doente nunca é uma ilha isolada do cosmos que abraçou para si uma sentença de morte, dor ou insanidade porque quis ou por culpa exclusivamente sua. Quem acredita nisso é coach ou adepto do “coachismo”, uma forma de pensar (talvez, de NÃO pensar seria mais apropriado) que nada mais é que o "puro suco" do neoliberalismo.


Do mesmo modo que nenhuma moléstia psíquica é apenas biológica/física ou apenas hereditária ou comportamental, as violências cometidas e sofridas nunca são apenas uma simples decisão individual em um único momento decisivo da vida particular de alguém. As tragédias eclodem como fogos de artifício espontâneos de sangue, mas sua gestação nunca é curta.


Não encontraremos também a resposta para estes "ocasional killers" em explicações reducionistas como "estamos copiando determinado país etc". Sim, há em curso uma globalização de práticas, hábitos e comportamentos, mas isso é algo muito mais complexo que importar celulares ou bananas.


Mas há algo que já pode ser dito sob a lógica das ciências sociais: estes assassinatos tendem a aumentar por conta do impacto das redes sociais na aceleração do processo de ATOMIZAÇÃO SOCIAL que já é inerente ao sistema econômico e político que Ocidente adotou há mais de um século. Um sistema que tende a responder a responsabilização individual com mais responsabilização e ainda mais individualismo. No final, se essa dinâmica perpetuar… quantos bilhões de bolhas seremos?


Estas novas tecnologias são – em última análise – frutos deste mesmo sistema econômico e político e o retroalimentam enormemente, reforçando "qualidades" em seus indivíduos: competitividade sem limites, culpabilização das vítimas e venda da crença de a parte vive à margem do todo.


Estas novas tecnologias também aprofundam sentimentos antissociais e violentos, e intensificam sentimentos de inadequação e possibilidade de "revanche" a partir do "acolhimento" por outros radicais. O que os assassinatos em série estão tentando nos dizer?


Que pessoas perdidas e desassistidas pelo nosso modelo civilizacional estão encontrando “amparo" e “empatia" em ecossistemas cibernéticos onde outras pessoas tão ou mais perturbadas estão “oferecendo ajuda”.


Esta é a pergunta que não podemos perder de vista: O que os assassinatos em série no ambiente escolar estão tentando nos dizer? Armar as escolas? Armar as crianças? Armar a sociedade inteira e o último apaga a luz? Penso que não.


Mas creio que o começo dessa resposta seja que as redes sociais precisam ser melhor estudadas e não podem ser território sem lei, uma espécie de universo de Mad Max cibernético. Se as redes prosseguirem sem nenhum tipo de regulação e mais TRANSPARÊNCIA da lógica algorítmica, essa tecnologia continuará o processo de fabricação de insanos em série.


E, em algum grau e medida, todos nós já somos vítimas deste ambiente.



* Pesquisador e Doutorando em Ciências Sociais junto ao Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, com ênfase em Filosofia Política e Autoritarismos Contemporâneos. Escritor, Mestre em Direito Ambiental e Advogado.

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