Existe alguma profissão que esteja a salvo da extinção? Estaremos diante da quarta ferida narcísica da civilização?
Por Alexandre Gossn*
Olá, pessoal. Neste artigo discuto como os chatbots evoluíram espantosamente nas últimas 04 semanas. A revolução foi gestada por décadas, mas agora explodiu em curva exponencial. O mercado de trabalho será sacudido violentamente nos próximos anos.
Isso já aconteceu antes? Você deve estar se perguntando. A resposta: SIM e NÃO!
A revolução agrícola (cerca de 08 mil anos atrás) quase extinguiu a “profissão” de caçadores e coletores, do mesmo modo que o arado por bois e cavalos erradicou a função humana nesta tarefa.
Já mais adiante, no meio do século XV, Johannes Gutemberg criou o tipógrafo e liquidou o trabalho dos “copistas” e escribas mecânicos. Três séculos depois, James Watt introduziu melhoramentos na máquina a vapor que a tornaram sobremaneira eficiente a ponto de dispensar muitas funções humanas.
Quase concomitante, o cientista e político norte-americano Benjamin Franklin estudou formas mais sofisticadas de tentar armazenar a energia elétrica e, com isso, não só ajudou a no futuro iluminarmos nossas cidades, mas também a extinguir mais funções humanas.
Algumas décadas e séculos depois, essas invenções e descobertas convergiriam a um ponto em que passaram a funcionar em conjunto. Assim, o motor a combustão recebeu aparatos elétricos e a automatização foi parar nas lavouras, retirando milhões de trabalhadores do setor agrícola. A substituição da mão de obra no campo foi brutal, a ponto de países como os EUA passarem de 10% de trabalhadores neste setor no começo do século XX para cerca de 1% em menos de cem anos.
Com o advento da eletrônica, ocorreu nova convergência: motor à combustão, eletricidade e agora dispositivos eletrônicos surgiram, extinguindo novamente milhões de postos de trabalho. Os robôs da indústria e na medicina se tornaram presença constante.
Portanto, até aqui a resposta é SIM: isso já aconteceu antes. Vamos agora entender porque SIM, isso aconteceu antes, mas NÃO, não com o potencial disruptivo que essa revolução tecnológica dos chatbots ostenta.
As revoluções anteriores substituíram a força mecânica dos músculos humanos, mas faltava um estágio: substituir o homo sapiens onde ele parecia insuperável: conversação e diálogos.
O Chat GPT e demais ferramentas similares de Inteligência Artificial vieram para sepultar esta dúvida: sim, podemos ser substituídos também nestas funções.
Na era do Chat GPT, todos nós somos Olivettis em potencial (quem não lembra das máquinas de escrever da Olivettis? Eram as campeãs em vendas até a adoção do computador pessoal), e será difícil brecar essas mudanças apenas com leis e acordos sindicais, porque algumas mudanças são irresistíveis e impossíveis de paralisar.
O curioso (e mórbido) disso é que talvez estejamos diante a uma provável quarta ferida narcísica da civilização. Explico rapidamente o conceito. Freud defendia que a humanidade sofreu 3 feridas NARCÍSICAS após importantes avanços no campo do conhecimento, a saber: i) a primeira se deu quando descobrimos que a Terra não era o centro do universo (quando Kepler, Copérnico e Galileu deixavam claro que o sistema heliocêntrico era mais próximo da realidade que o geocêntrico); ii) a segunda quando Darwin e Wallace comprovaram que a seleção natural regula a teoria da evolução e, assim, ficou claro que os seres humanos e outros primatas são primos (ou até irmãos) na teia da vida; iii) e a última quando a psicologia comprovou que existe um inconsciente e, assim, caiu por terra a fábula do ser humano de escolhas meramente racionais e totalmente detentor do livre arbítrio. O iluminismo e seu sapiens cartesiano são uma ficção.
E agora temos esse posto ameaçado, que era, em suma, praticamente o único dormitório seguro da nossa civilização: jamais inteligências artificiais poderão nos substituir com eficácia em um diálogo. Esta não é mais uma verdade que "para em pé".
O curioso é que as três feridas NARCÍSICAS iniciais foram produto de descobertas propriamente humanas e dependentes do estudo humano, enquanto a quarta parece de uma natureza híbrida: ela é sem dúvida derivada da inteligência humana que criou a inteligência artificial, mas, ao mesmo tempo, ela propicia que os seres humanos sejam substituídos de uma forma que não ocorreu antes.
Sabermos que não somos o centro do universo (primeira ferida) era um aviso, mas ainda não nos eliminava da equação cósmica. Descobrirmos que não tínhamos origem divina (mas sim que éramos subproduto da enorme teia biológica que gera a vida) podia ofender os mais sensíveis, mas não nos tornava dispensáveis.
Nos tornarmos cônscios de que não decidimos tudo que se passa em nossos pensamentos e que a mente humana é composta de estruturas psíquicas irracionais e com linguagem mitológica que extravasam a racionalidade nos tira do pódio de campeões da razão, mas não nos relega ao papel de inúteis.
É aí que entra a quarta ferida narcísica. Se não servirmos nem para dialogar e atender outro ser humano (ou quem sabe uma I.A), para que serviremos?
Se as três feridas NARCÍSICAS iniciais apenas arranharam na autoestima da nossa espécie, a quarta parece destinada a não apenas a nos fazer encarar o fato de que não somos a "última bolacha do pacote", mas também (e por isso é tão assustadora) a de nos informar (quem sabe por mensagem de I.A) de que já não somos necessários.
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* Pesquisador e Doutorando em Ciências Sociais junto ao Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, com ênfase em Filosofia Política e Autoritarismos Contemporâneos. Escritor, Mestre em Direito Ambiental e Advogado.
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