Por Ricardo Cortez Lopes*
Não existe um consenso de que estamos em uma polarização política, mas que existem dois líderes carismáticos de muitos indivíduos em embate no momento no Brasil, isso me parece inegável.
Também não existe nenhum tipo de concordância geral do significado do termo, mas vamos descrevê-lo como a preponderância de uma relação conflituosa entre duas ideias, as quais monopolizam quase toda a atenção e que conferem uma interpretação de mundo enviesada para favorecer um dos lados. Ou seja, existe um julgamento da moral ou da inteligência dos outros com base na posição política.
Assim, enumero (e nisso resumo muito), baseado levemente na definição do professor Libâneo, dois polos possíveis: conservador (focado na mudança espontânea da sociedade partindo da ação individual) e progressista (focado na mudança induzida da sociedade partindo da ação estatal). É claro que seria possível aprofundar ainda mais e perceber muitos espectros, mas esse esforço fica para as pesquisas, não para um texto rápido.
Com relação à ciência, eu considero que ela possui três características básicas: o da investigação rigorosa (baseado em evidências coletadas pelo método), da leitura teórica (desde a hipótese até a dedução da leitura teórica) e da reflexividade sobre o que se fez até o momento, que é o que conduz à inovação e à crítica. Por isso, a crítica científica não é falar mal das coisas, mas sim utilizar de evidências para realizar comparativos entre casos (a teoria) para produzir uma reflexão ordenada e criticável. Você pode até discordar de minha visão, mas é em cima desses aspectos que vou trabalhar.
Vamos começar pelo lado bom. Atualmente, eu enxergo a ciência sendo feita em clusters. Naturalmente, a ciências e os cientistas já possuem uma variedade interna nas suas ideias tanto na história da ciência quanto nas diferentes especialidades — o que também gera clusters, porém a polarização cria mais um critério de criação de grupo. Mas, repare, esse cluster pode transcender as próprias especialidades em momentos críticos, geralmente com questões públicas que evidenciam as oposições entre conservadores e progressistas. Ou seja, os clusters permitem um tipo de projeto — os progressistas querem espalhar um tipo de educação, enquanto os conservadores buscam uma continuidade.
O lado bom derivado desse fenômeno acima é que a polarização permite a construção de alguns pressupostos comuns para os pesquisadores do cluster, o que enseja que os cientistas foquem diretamente na coleta de dados — o que produz trabalhos até mesmo mais empíricos, que possuem sua função na Divisão Social do Trabalho Científico. Com esse monte de evidências coletadas é possível aprofundar muito as teorias de um dos lados, e esse aprofundamento leva às contestações.
Mas existem também lados ruins e que não devem ser esquecidos. A começar pelos clusters: os cientistas de diferentes clusters não se lêem, o que é um problemão porque favorece visões viciadas e que “correm atrás do próprio rabo”. Logo, isso impede a característica da auto-crítica e faz a ciência construir senso comum.
Assim, dentro dessa lógica, a ciência se torna mais a comprovação de um preconceito (sim, existem cientistas preconceituosos) do que teste de evidências, o que prejudica a característica da reflexividade. Assim, se por um lado as definições estreitas ajudam no foco nas evidências, por outro lado elas impedem que se enxergue soluções práticas para problemas reais e cotidianos, porque existe quase uma satisfação existencial em comprovar o próprio ponto de vista.
Outro lado ruim é o que Weber chamaria de força do Carisma, que é o fascínio com a figura dos cientistas enquanto pessoas e menos com a ciência em si. Isso resulta que a rigorosidade da ciência é menos privilegiada na comparação com a pessoa do cientista (muitas vezes a obra do cientista nem é conhecida). Assim, ele pode lançar tendências mais pela posição política dele do que pela sua contribuição de fato para a ciência enquanto modalidade de conhecimento. Mas, por conta também da polarização, o fato de ele concordar em algum ou alguns pontos do outro lado pode também ser a sua ruína irreversível.
Levando em conta esses prós e contras, o que eu acho do ponto de vista pessoal? Não acho que a polarização inviabilize a ciência — até porque ela será superada em algum momento — , porém atrapalha a sua relevância para a sociedade atual, porque os cientistas parecem ter lado ao invés de trabalhar por todos. Isso ocorre porque, em um período de pós-verdade, as pessoas querem se sentir afagadas obtendo concordância (inclusive os cientistas), e nesse sentido os pesquisadores só conseguem ser relevantes quando comprovam suas visões de mundo. Assim, acredito que aderir à polarização é entrar em uma zona de conforto em que você é admirado não pelo que faz, mas pelo que alimenta.
E você, o que acha disso tudo? Acha que a polarização é boa porque evidencia as intenções das pessoas? Ou acha que o foco deve ser mais na aplicação dos princípios científicos? Defenda seu lado, se necessário, e vamos conversar!
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* Escritor e Pesquisador. Doutor, Mestre e Graduado em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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